Oriki, saudação à cabeça
Oriki é uma palavra ioruba composta por ori que quer dizer cabeça e ki saudar. Portanto: saudar a cabeça. Oriki é também verso, poema entoado, que se canta para os orixás e que, ao ser enunciado, exalta seus atributos. Um oriki pode ser cantado em diversas ocasiões, religiosas ou não, e para os mais diversos seres, entre eles os homens. O silêncio e a reverência ao orixá cantado, no entanto, sempre se fazem presentes e se acredita que o oriki seja capaz de apaziguar e inspirar. Na religião afro-brasileira, a cabeça é a conexão entre os dois mundos, àiyê (terra, mundo físico) e orun (céu, mundo espiritual).
Há algo de redentor no trabalho de Nádia Taquary, também no modo como ele se impôs na sua vida. Nádia cresceu em Valença, litoral baiano, e seu trabalho reconta uma parte da história e da identidade desse lugar. Ele começou com uma pesquisa sobre a ourivesaria colonial, os balangandãs das mulheres negras escravizadas, sinônimo de opressão e esperança de liberdade; daí nascem suas primeiras esculturas. Nos balangandãs gigantescos de Nádia as proporções impõem uma nova relação do expectador com a história. Sentimentos de pertencimento são revistos, a exuberância é impactante, mas não nos distrai do seu conteúdo latente. Algo grita!
E por que ainda retornar? A repetição é uma parte importante da vida! A repetição é uma parte importante da arte! Há quem defenda que nada nunca se repita do mesmo modo, no entanto, nem sempre as diferenças são facilmente notadas. Algumas vezes precisamos rever, repetir o ato de olhar, para perceber o novo. Isso importa? Penso que muito. Nádia repete e muda. Está criando um sistema próprio, creio que nem ela saiba ainda o destino e a forma que este sistema terá no futuro. Do deslumbramento evidente com as criações femininas dos balangandãs ela passou para o “Mundo”, depois seguiu com as cabeças inspiradas em penteados de povos africanos, seus códigos marcados no corpo; então o sagrado e o humano se misturam, vemos os dois lado a lado e não percebemos mais os seus limites. Sobre suas Yabás (orixás femininos), em bronze e com mais de dois metros de altura, Nádia me diz: “é só cabeça!”. E aqui repito: é a ligação entre os dois mundos!
Nádia compõe suas peças como orikis. Ela saúda sua ancestralidade sem muito explicar. É como uma palavra entoada, dita no silêncio, vinda de um conhecimento ancestral, algo inconsciente – dado que ela não é uma iniciada na religião africana – para nos fazer mais fortes, mais livres e exaltar as virtudes desse povo que nos compõe. Seguiremos!
Beatriz Franco
Texto sobre Oriki, saudação à cabeça _ Exposição de Nádia Taquary
Curadoria de Beatriz Franco
Espaço Expositivo 321 Jacarandá – SP Setembro 2016